Editora Objetiva
340 paginas
Elizabeth
Gilbert:
David e eu nos conhecemos porque ele estava atuando em uma peça
baseada em contos meus. Ele fazia um personagem que eu havia inventado, o que é
de certa forma revelador. No amor desesperado é sempre assim, não é? No amor
desesperado, nós sempre inventamos os personagens dos nossos parceiros,
exigindo que eles sejam o que precisamos que sejam, e depois ficando arrasados
quando eles se recusam a desempenhar o papel que nós mesmos criamos.
L’arte d’arrangiarsi – a arte de produzir algo a partir do nada.
A arte de transformar alguns poucos ingredientes simples em um banquete, ou
alguns amigos reunidos em uma festa. Qualquer pessoa com talento para
felicidade pode fazer isso, não apenas os ricos.
Olho para o Augusteum e penso que, no final das contas, talvez a
minha vida na verdade não tenha sido tão caótica assim. É apenas este mundo que
é caótico e nos traz mudanças que ninguém poderia ter previsto. O Augusteum me
alerta para eu não me apegar a nenhuma idéia inútil sobre quem sou, o que represento,
a quem pertenço ou que função eu poderia ter sido criada para executar. Sim, eu
ontem posso ter sido um glorioso monumento a alguém – mas amanha posso virar um
deposito de fogos de artifício. Até mesmo na Cidade Eterna, diz o silencioso
Augusteum, é preciso estar preparado para tumultuosas e intermináveis ondas de
transformação.
Minha mãe fez escolhas na vida, como todos nós precisamos fazer, e
está em paz com elas. Posso ver a sua paz. Ela não julgou a si mesma. Os
benefícios das suas escolhas são enormes – um casamento duradouro e estável com
um homem a quem ela ainda chama de melhor amigo; uma família que agora inclui
netos que a adoram; a certeza de sua própria forca. Talvez algumas coisas
tenham sido sacrificadas, e meu pai também fez lá os seus sacrifícios – mas
qual de nós vive sem sacrifício?
David: “beleza atrai beleza”. “sem emoção, a gente não passa de
robôs.”
Bhagavad Gita – diz que é melhor viver o seu próprio destino de
forma imperfeita do que viver a imitação da vida de outra pessoa com perfeição.
Os freudianos afirmam que a infelicidade é o resultado inevitável
de um embate entre nossas pulsões naturais e as necessidades da civilização.
(como explica minha amiga psicóloga, Deborah: “O desejo é uma falha de
design.”) Os iogues, no entanto, dizem que o descontentamento humano é um
simples caso de identidade equivocada. Nós somos infelizes porque achamos que
somos meros indivíduos, sozinhos com nossos medos e falhas, com nosso
ressentimento e nossa mortalidade. Acreditamos equivocadamente que nossos
pequenos e limitados egos constituem toda a nossa natureza. Não conseguimos
reconhecer nossa natureza divina mais profunda. Não percebemos que, em algum
lugar dentro de todos nós, existe um Eu supremo que está eternamente em paz.
Esse Eu supremo é a nossa verdadeira identidade, universal e divina. Se você
não perceber essa verdade, dizem os iogues, estará sempre desesperado, idéia
expressa de forma inteligente na seguinte frase irritada do filósofo estóico
grego Epíteto: “Você leva Deus dentro de si, seu pobre desgraçado, e não sabe
disso.”
“Nosso propósito nesta vida, portanto”, escreveu Santo Agostinho,
ele próprio um pouco iogue, “é recuperar a saúde do olho do coração através do
qual se pode ver Deus.”
Lembrando-me de algo que minha Guru dissera certa vez: que você
nunca deveria dar a si mesmo a oportunidade de se entregar porque, quando o
faz, isso se torna uma tendência, e nunca mais pára de acontecer. Em vez disso,
você precisa treinar ficar forte.
Meus pensamentos voltam sem parar a meu casamento falido, e toda a
vergonha e a raiva que acompanharam esse acontecimento. Pior ainda, voltei a
pensar em David. Em minha mente, discuto com ele, zangada e sentindo-me
sozinha, e lembro-me de cada coisa que ele disse ou fez para me magoar. Alem
disso, não consigo parar de pensar em nossa felicidade juntos, no delírio
emocionante de quando as coisas iam bem.
Richard Texas: - Provavelmente era. O problema é que você não
entende o que essa expressão significa. As pessoas acham que a alma gêmea é o
encaixe perfeito, e é isso que todo mundo quer. Mas a verdadeira alma gêmea é
um espelho, a pessoa que mostra tudo que esta prendendo você, a pessoa que
chama a sua atenção para você mesmo para que você possa mudar a sua vida. Uma
verdadeira alma gêmea é provavelmente a pessoa mais importante que você vai
conhecer, porque elas derrubam as suas paredes e te acordam com um tapa. Mas
viver com uma alma gêmea para sempre? Não. Dói demais. As almas gêmeas só
entram na sua vida para revelar a você uma outra camada de você mesmo, e depois
vão embora. Acabou, Sacolão. A missão do David era acordar você, tirar você
daquele casamento do qual você precisava sair, destrocar um pouquinho o seu
ego, mostrar para você os seus obstáculos e vícios, despedaçar o seu coração
para uma nova luz poder entrar, deixar você tão desesperada e fora de controle
que você fosse obrigada a transformar
a sua vida, e depois apresentar você `a sua mestra espiritual e sair fora. Essa era a função dele, e ele
foi ótimo, mas agora acabou. O problema é que você não consegue aceitar isso,
que esse relacionamento tinha um prazo de validade bem curto. Você parece um
cachorro cheirando lixo, baby... fica
lambendo uma lata vazia, tentando tirar mais comida lá de dentro. E, se você
não tomar cuidado, essa lata vai ficar presa no seu focinho para sempre e
tornar sua vida infeliz. Então largue isso.
Senhora quase 100 anos: “Só existem dois assuntos pelos quais os
seres humanos brigaram em toda a história: Quanto
você me ama? e Quem é o chefe?” Todo o resto é, de alguma forma,
administrável. Mas essas duas questões, o amor e o controle, são a perdição de
todos nós, fazem-nos tropeçar e provocam guerras, tristeza e sofrimento.
Vipassana é uma técnica de meditação budista ultra-ortodoxa, simples e
muito intensiva. Basicamente, consiste apenas em ficar sentado. A meditação Vipassana é a pratica da observação
pura, é testemunhar o funcionamento da própria mente e oferecer sua total
contemplação a seus padrões de pensamento, mas sem deixar que nada tire você do
lugar onde está sentado. Na Vipassana sequer se faz menção a “Deus”, já que a
noção de Deus é considerada, por alguns budistas, o derradeiro objeto da
dependência, o ultimo cobertor de segurança, a ultima coisa a ser abandonada no
caminho rumo ao puro desapego.
Mas houve algo de levemente emocionante para mim ao perceber que,
durante meus 34 anos na Terra, nunca deixei de dar um tapa em um mosquito que
estivesse me picando. Fiz isso automaticamente, assim como reagi a milhões de
outros sinais ao longo da vida, grandes e pequenos, de dor ou prazer. Sempre
que alguma coisa acontece, eu reajo. Mas ali estava eu – ignorando o reflexo.
Eu estava fazendo uma coisa que nunca tinha feito antes. Uma coisa pequena,
tudo bem, mas quando foi que eu pude dizer isso? E o que serei capaz de fazer
amanha que ainda não sou capaz de fazer hoje?
Há tanta coisa no meu destino que não posso controlar, mas outras
coisas estão, sim, sob a minha jurisdição. Existem determinados bilhetes de
loteria que posso comprar, aumentando, assim, minhas chances de encontrar
satisfação. Posso decidir o que como, o que leio e o que estudo. Posso escolher
como vou encarar as circunstâncias desafortunadas da minha vida – se as verei
como maldições ou como oportunidades (e, quando não tiver forças para adotar o
ponto de vista mais otimista, porque estou sentindo pena demais de mim mesma,
posso decidir continuar tentando mudar minha atitude). Posso escolher minhas
palavras e o tom de voz com que falo com os outros. E, acima de tudo, posso
escolher meus pensamentos.
E então, para minha surpresa, ainda na meditação, fiz uma coisa
esquisita. Convidei meu ex-marido a, por favor, juntar-se a mim ali naquele
telhado na Índia. Perguntei-lhe se ele teria a bondade de me encontrar ali para
aquela despedida. Então esperei ate senti-lo chegar. E ele de fato chegou. Sua
presença subitamente tornou-se absoluta e tangível. Eu praticamente pude sentir
seu cheiro.
Então, qual é o meu caráter natural? Adoro estudar neste ashram, mas o meu sonho de encontrar a
divindade passeando silenciosamente por aqui com um sorriso delicado e etéreo –
quem é essa pessoa? Provavelmente alguém que vi em um programa de TV. A
realidade é que é um pouco triste para mim reconhecer que nunca serei essa
pessoa. Sempre fui tão fascinada por essas almas etéreas, delicadas. Sempre
quis ser a moça silenciosa. Provavelmente, justamente porque não sou. É o mesmo
motivo que me leva a achar tão bonitos cabelos grossos, escuros – justamente
porque não os tenho, porque não posso tê-los. Em algum momento, porém, é
preciso se contentar com aquilo que se recebeu e, se Deus quisesse que eu fosse
uma moça tímida de cabelos grossos e escuros, Ele teria me criado assim, mas
não criou. Talvez, então, seja útil aceitar como fui criada e assumir
plenamente a mim mesma desse jeito.
Perguntei-me: “Por que passei toda a minha vida correndo atrás de
felicidade, quando o contentamento estava aqui o tempo todo?”
Não sei por quanto tempo fiquei pairando nesse esplêndido éter de
união antes de ter um pensamento súbito e urgente: “Eu quero manter essa
experiência para sempre!” E foi então que comecei a sair dela. Bastaram duas
palavrinhas – Eu quero! -, e comecei
a escorregar de volta para a Terra. Então minha mente começou a protestar de
verdade – não! Eu não quero sair daqui!
-, e eu escorreguei ainda mais.
Quando muitos deles saiam de suas meditações e me diziam que eu
havia representado para eles, durante o retiro, uma “presença silenciosa,
deslizante, etérea”. Então seria essa a ultima brincadeira que o ashram estava fazendo comigo? Depois de
eu aprender a aceitar minha natureza social exuberante e falastrona, e de
assumir sem restrições minha Recepcionista-Chefe interna – só então, afinal, é
que eu poderia me tornar a Moça Quietinha do Fundo do Templo?
Você pode constatar que obsessões de uma vida toda desapareceram,
ou que padrões ruins, indissolúveis enfim, se ,modificaram. Irritações mesquinhas
que costumavam enlouquecê-lo não representam mais um problema, enquanto antigas
infelicidades colossais, que você outrora suportava por hábito, agora não serão
mais toleradas sequer durante cinco minutos. Relacionamentos venenosos são
arejados ou descartados, e pessoas mais solares, mais benéficas, começam a
entrar no seu mundo.
-
O homem é um
demônio, o homem é um deus. Os dois verdade.
A idéia é que, como explicou muitas vezes a minha Guru, os seres
humanos nascem com o mesmo potencial tanto para a contração quanto para a
expansão. Os ingredientes tanto da escuridão quanto da luz estão igualmente
presentes em todos nós, e cabe ao individuo (ou `a família, ou `a sociedade)
decidir o que irá prevalecer – as virtudes ou a malevolência.
Amiga Darcey me falou certa vez – que toda a tristeza e
dificuldade deste mundo é causada por pessoas infelizes. Não apenas do ponto de
vista global, como Stalin e Hitler, mas também no nível menor, pessoal. Ate
mesmo na minha própria vida, posso ver exatamente onde meus acessos de
infelicidade causaram sofrimento, preocupação ou (no melhor dos casos) incômodo
para as pessoas `a minha volta. A busca pelo contentamento, portanto, não é
apenas um ato de autopreservação e de autobenefício, mas também um generoso
presente ao mundo. Eliminar toda a sua
infelicidade tira você do caminho. Você deixa de ser um obstáculo não
apenas para si mesmo, mas para qualquer outra pessoa. Só então fica livre para
ajudar e desfrutar outras pessoas.
Essa é a maior lição do carma (assim como da psicologia ocidental,
por sinal) – cuide dos problemas agora ou vai ter de sofrer de novo mais tarde,
quando estragar tudo da próxima vez. E a repetição do sofrimento – isso é o
inferno. Sair dessa repetição sem fim para um novo nível de compreensão – é ai
que você ira encontrar o céu.
Wayan: “Perder o equilíbrio `as vezes por amor faz parte de uma
vida equilibrada.”
Os sábios iogues dizem que a dor da vida humana é causada pelas
palavras, assim como toda a alegria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário